17 fevereiro 2009

"Entro no quarto, procuro um refúgio no passado. Mas não me posso esconder inteiramente nele. Não sou o que era naquele tempo. Falta-me tranqüilidade, falta-me inocência, estou feito um molambo que a cidade puiu demais e sujou."

Graciliano Ramos, em Angústia.

09 fevereiro 2009

"Ferminza Daza estava na cozinha provando a sopa para o jantar, quando ouviu o grito de horror de Digna Prado e o alvoroço da criadagem da casa e depois da vizinhança. Atirou a colher de pau e tratou de correr como pôde com o peso invencível da idade, gritando feito uma louca sem saber ainda o que acontecia debaixo da copa da mangueira e o coração lhe estourou em estilhaços quando viu seu homem estirado de costas no lodo, já morto em vida mas resistindo ainda um último minuto à chicotada final da cauda da morte para que ela sua mulher tivesse tempo de chegar. Chegou a reconhecê-la no tumulto através das lágrimas da dor que jamais se repetiria de morrer sem ela, e a olhou pela última vez para todo o sempre com os mais luminosos, mais tristes e mais agradecidos olhos que ela jamais vira no rosto dele em meio século de vida em comum, e ainda conseguiu dizer-lhe com o último alento:

- Só Deus sabe o quanto amei você."

Gabriel García Márquez, em O Amor nos Tempos do Cólera.